O que fazem os filósofos – carta a um adolescente

Olá Ben, como você está?

Estou te escrevendo porque não fiquei muito satisfeito com a resposta que dei sobre o que os filósofos fazem. Para ser honesto, penso que dei uma resposta bem entediante, que não fez justiça nem à filosofia nem à sua curiosidade, então decidi dar uma visão melhor!

Vou começar com um “clichê”.

Costumamos ouvir que os filósofos são aquelas pessoas que sempre fazem uma pergunta a mais quando a maioria já está satisfeita com as respostas que obtiveram. Não sei se isso é verdade para todos os filósofos, mas certamente é verdade para mim.

Isso basicamente significa que estamos sempre tentando chegar ao fundo das coisas, encontrar os fundamentos, encontrar a base onde o conhecimento se apoia. Isso, claro, nos convida a oferecer respostas às ditas “grandes questões”. 

Um primeiro grupo de grandes questões é:

  • É possível obter conhecimento? Podemos realmente conhecer o mundo ao nosso redor? 
  • Quanto podemos confiar nas coisas que (achamos que) sabemos? Existe algo como uma verdade absoluta (inquestionável)? 
  • Como podemos julgar, como podemos avaliar as teorias e crenças que temos? 

E, intimamente relacionado a isso: 

  • Quando as pessoas têm opiniões e crenças diferentes sobre as coisas, existe uma maneira (melhor) de elas chegarem a um acordo?

Com essas perguntas em mente, fui naturalmente inclinado a estudar mais sobre ciência e sua metodologia, para tentar entender mais sobre como a ciência se tornou nossa ferramenta mais poderosa não apenas para explicar a realidade, mas para transformar o mundo ao nosso redor.

Mas por que acho que a ciência é nossa melhor expressão de conhecimento, o que é tão especial na ciência, o que é tão especial em seu método?

A primeira coisa que acho bem atraente é o fato de que a ciência não toma nada como garantido ou fixo para sempre. Com isso, quero dizer que a ciência está sempre aberta a ser desafiada, mudada, corrigida, melhorada. Em outras palavras, os cientistas – pelo menos quando não são cegamente arrogantes – percebem que o que sabemos hoje é (apenas) a melhor versão do que conseguimos alcançar até agora. Eles percebem que sempre podemos adquirir novas evidências amanhã que podem desafiar e mudar nossas visões e teorias de hoje, então devemos sempre estar abertos à crítica, abertos a eventualmente corrigir e melhorar nossa perspectiva, nossa compreensão da realidade. E num mundo onde há tantas pessoas prontas para julgar e condenar os outros que pensam diferente, acho que isso traz uma lição muito poderosa.

Mas como julgamos/avaliamos uma teoria? O que faz uma teoria que segue o método científico ser melhor do que uma que não segue?

A resposta completa é obviamente um pouco longa e mais complexa, mas há algumas coisas que podem ser ditas.

As melhores teorias científicas:

  • Organizam diferentes partes de nossa experiência de uma maneira sistemática e interconectada;
  • Unificam diferentes partes de nosso conhecimento (por exemplo, física, química, biologia, geologia, astronomia… todas obedecem às mesmas leis e princípios);
  • Oferecem as previsões mais incríveis e precisas sobre a natureza – e essas previsões possibilitam tanto a antecipação de fatos futuros quanto a criação da tecnologia que usamos em nosso dia a dia; 
  • Baseiam-se em princípios e leis que são claros e explícitos. A ciência, quando bem feita, não se esconde atrás de conceitos obscuros ou desígnios insondáveis, nem exige fé cega de seus defensores. 

Em resumo, as teorias científicas são julgadas pelos resultados que apresentam: a amplitude de suas explicações, a precisão de suas previsões, o poder da tecnologia que ajudam a criar. 

Basicamente, isso significa que, se você quiser argumentar que uma teoria A é melhor do que uma teoria B, você deve apresentar boas evidências de que sua teoria A nos dá melhores resultados: melhores ou mais simples explicações; melhores/mais precisas previsões; a possibilidade de criar uma tecnologia mais eficaz ou melhorar a vida ao nosso redor. Portanto, quando os cientistas decidiram que a teoria proposta por Einstein nos oferecia uma visão melhor da realidade do que a teoria proposta por Newton, isso significa que a teoria de Einstein nos oferecia não apenas novas maneiras aprimoradas de explicar a realidade, mas também de prever eventos futuros e, portanto, de transformar a realidade.

* * *

Agora, quando falamos em transformar a realidade, isso nos leva a um segundo conjunto de grandes questōes.

  • Em que tipo de mundo/sociedade queremos viver? 
  • Que tipo de valores queremos fomentar? 
  • Como construímos uma sociedade justa? A riqueza é boa?
  • Existem valores – ou modos de vida – que são inquestionavelmente melhores do que outros?

Essas perguntas podem parecer um pouco mais vagas, um pouco mais complicadas do que as primeiras. E isso é esperado, pois os resultados envolvidos em julgar valores ou modos de vida são mais subjetivos do que a maioria dos resultados envolvidos em previsões científicas. Existem tantas culturas, valores e modos de vida diferentes que devemos definitivamente ser muito cuidadosos antes de dizer que certos valores são inquestionavelmente melhores do que outros. Na verdade, parece bastante tolo – ou incrivelmente arrogante – até mesmo querer dizer tal coisa. 

No entanto – e isso é um grande ‘no entanto’ –, isso não me/nos deve impedir de defender certos valores e modos de vida (contra outros valores e modos de vida). O que nos leva à próxima pergunta: 

Se não há nenhuma medida absoluta e universal pela qual se podem julgar valores, como devo argumentar a favor ou contra qualquer conjunto específico de valores?

A resposta pode residir em aceitar que os valores que você escolhe defender são, de fato, escolhas: suas escolhas. Suas escolhas sobre qual modo de vida se adequa melhor a você.

Mas veja, isso não significa que suas escolhas sejam necessariamente arbitrárias. Também não precisa significar que suas escolhas sejam puramente egoístas ou feitas sem consideração pelos outros. Na verdade, se as escolhas de alguém forem puramente egoístas, provavelmente elas terão muita dificuldade em defendê-las, o que significa que terão que enganar outras pessoas e/ou tentar impor sua vontade pela força (o que infelizmente ocorre com frequência em nossa sociedade atual).

Assumindo que não queremos nem enganar as pessoas nem impor nossa vontade/valores a outras pessoas, a parte delicada agora é:

Como defender – para os outros – valores que escolhi como sendo melhores para mim?

Bem, naturalmente isso depende muito do conjunto de valores que você tentará abraçar e defender. Em qualquer caso, essa é uma questão interessante porque, no momento em que você acha que deve ser capaz de defender seus valores e pontos de vista para os outros, isso já implica trazer para sua reflexão o ponto de vista deles. E isso é um bom começo, eu diria.

Obviamente, não posso falar por todos, mas, no meu caso, os valores que aprendi a incorporar e valorizar são aqueles que têm algum tipo de apelo universal. Por exemplo, defendo que as pessoas devem ser gentis umas com as outras, que as pessoas devem ser tolerantes e abraçar a diversidade. Isso tem um apelo bastante simples e universal, no sentido de que é algo que todos poderiam fazer – e se beneficiar mutuamente.

Mas há algo muito importante que precisa ser acrescentado aqui.

Você pode achar interessante notar que, quando tento defender esses valores, embora use palavras como “deve”, não tento justificar como sendo “a coisa certa a fazer”, ou “a coisa moral a fazer”, ou porque “alguma autoridade divina nos diz para fazer”. Nem os promovo porque sou uma pessoa “altruísta” que acha que o bem-estar dos outros é mais importante do que o meu. 

De certa forma, defendo a gentileza e a tolerância de uma maneira muito “egoísta”, se você me permitir o paradoxo. Eu as defendo porque acho que serei mais feliz em um mundo onde as pessoas são/tentam ser (mais) gentis e tolerantes umas com as outras. E também acredito que mais pessoas serão mais felizes em tal sociedade. E isso é um ótimo e bem-vindo bônus, já que sou também acredito que serei mais feliz em um mundo onde mais pessoas são felizes.

Em uma nota semelhante, defendo que uma sociedade deve se esforçar para alcançar mais igualdade entre homens e mulheres, ricos e pobres, e tomarei uma posição firme contra sociedades, leis ou culturas que vão na direção oposta. Novamente, defendo isso não por algum impulso puramente altruísta, mas principalmente porque acredito que serei mais feliz em uma sociedade construída sobre tais fundamentos.

Como você pode ver, posso ser ‘egoísta’ – no sentido de que tento encontrar coisas que são boas para mim – e, ao mesmo tempo, posso defender algo que também pode ser visto como bom para a maioria das pessoas.

“Egoísta e inteligente, portanto gentil e tolerante!” – que tal esse slogan?!… 😉.

De qualquer forma, acho que já escrevi demais!

Espero que o que escrevi aqui faça sentido para você e talvez o deixe ainda mais interessado em filosofia. Se for o caso, estou sempre feliz em participar de qualquer tipo de conversa filosófica, então sinta-se livre para novas perguntas e debates!

Abraços,

Marcos

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