
O neurótico obsessivo e o desejo prevenido
por Marcos Bulcao
Há quem diga que o neurótico obsessivo vive no futuro. Eu diria que ele vive na antecâmara de tudo — um espaço mental onde a vida é eternamente ensaiada, mas nunca encenada. Seu verbo preferido é o “quase”: quase fui, quase fiz, quase disse. O obsessivo é o sujeito do adiamento, e sua arma secreta é o pensamento. Pensa tanto que paralisa. Nesse sentido, cria sua própria versão do cogito cartesiano: Penso, logo hesito.
Essa hesitação não é simples covardia: é uma estratégia. Freud já percebia que o obsessivo não teme o fracasso, mas o desejo. E Lacan completará: o desejo é perigoso porque implica o imprevisto, a perda de controle, o risco de tocar o real. Então o sujeito constrói uma fortaleza de raciocínios — o cálculo, o dever, a moral, a ordem — para se proteger do desassossego que o desejo causa.
Podemos chamar isso de desejo prevenido: o desejo que não chega a acontecer porque o sujeito o vacina de antemão. Antes que o desejo se realize, ele já foi pensado, analisado, desdobrado e finalmente neutralizado. Assim, o obsessivo evita o pior — mas também o melhor. Ele não sofre a falta como o histérico; sofre o excesso de cautela. Não é o “desejo insatisfeito”, mas o “desejo impedido”.
Enquanto o histérico mantém o desejo vivo ao se queixar de sua ausência (“nada é suficiente”), o obsessivo o sufoca com previsões. Se o histérico sonha demais, o obsessivo calcula demais. Em ambos há gozo — mas gozo de naturezas opostas. O do histérico vem do movimento, da combustão do desejo; o do obsessivo vem da contenção, do controle, do congelamento do possível.
O desejo prevenido se manifesta de mil formas sutis: o amor que não começa para não terminar, a decisão adiada “até ter certeza”, o prazer interrompido antes de ser prazer. É o sujeito que só escreve quando a frase já está perfeita, que só age quando já é tarde, que se prepara tanto para viver que acaba vivendo apenas na preparação.
Há nisso um paradoxo cruel: o obsessivo quer a perfeição para não se sentir culpado, mas a busca pela perfeição o torna permanentemente culpado por não agir. Ele é o próprio Sísifo contemporâneo: empurra a pedra do dever todos os dias, mas nunca chega ao topo, porque teme o que aconteceria se a pedra parasse de rolar. O silêncio, a falta de tarefa, o vazio — tudo isso é insuportável.
A clínica mostra que o obsessivo não se satisfaz em obedecer à lei; precisa ser ele mesmo o guardião dela. Antecipando o desejo do Outro, ele age antes que lhe peçam — assim evita o risco de ser tomado de surpresa. Essa “prevenção do desejo” é sua forma de manter a ilusão de autonomia: “ninguém me comanda, porque eu já fiz o que esperavam”. Mas, no fundo, é o desejo do Outro que o move, mesmo quando acredita estar fora dele.
O obsessivo vive na fronteira entre o saber e o ato. Sabe demais — e age de menos. Sua tragédia não é o erro, mas o adiamento. Ele pensa para não sentir; raciocina para não desejar. A fantasia do controle, que o protege, também o aprisiona.
Em análise, esse sujeito só avança quando começa a suportar o “não saber”: o instante em que o pensamento falha e algo do desejo irrompe. É aí que a vida real — não a vida ideal — pode começar. Desejar é aceitar o risco de não entender tudo. O obsessivo precisa descobrir que a incerteza não é o fim da razão, mas o início do desejo.
A cura não é abolir o pensamento, mas deslocá-lo de lugar: pensar não mais para evitar o desejo, mas a partir do desejo. Ou, como certa vez anotei em meu diário clínico, “Transformar o pensamento que aprisiona em pensamento que atravessa”.
O obsessivo sonha com liberdade, mas teme o vazio que a liberdade traz. Ele só se cura quando percebe que o verdadeiro perigo nunca foi desejar — e sim viver eternamente prevenido. Quando finalmente deixa o desejo acontecer, não é que perca o controle: é que, pela primeira vez, consente em viver.